Trator elétrico vale a pena? Grandes marcas abrem o debate

trator elétrico

O trator elétrico está avançando no mercado e novos modelos tentam consolidar a tecnologia alternativa no campo

Já faz algum tempo que o trator elétrico está na pauta e vários protótipos foram lançados por pequenas empresas e também pelos grandes fabricantes de máquinas agrícolas. Na última Farm Progress Show, uma das maiores feiras agrícolas dos Estados Unidos, pelo menos duas marcas se destacaram com modelos que serão disponibilizados ainda em 2024: A Case IH com o seu Farmall 75C Electric e a New Holland com o T4 Electric Power. As marcas irmãs por sua vez possuem parceria com a startup californiana Monarch – desenvolvedora de um trator elétrico – desde 2021.

Nosso artigo não pretende de forma alguma entrar em debates ambientais e muito menos defende o fim dos motores a combustão. Nossa missão sempre foi trazer informações e curiosidades sobre o que acontece no mundo da agricultura e a questão dos elétricos é bem importante. Também não queremos esgotar tecnicamente o assunto, mas dar um caminho para quem se interessa e deseja saber mais.

Farmall 75C Electric

 

O trator Farmall 75C Electric debutou no Youtube no dia 28 de agosto (um dia antes da abertura oficial da Farm Progress Show) em um vídeo curto com tomadas em close da máquina em estúdio, seguido pelo exemplo de trabalho rebocando aeronaves em um pequeno aeroporto, uma moça realizando trabalhos de jardinagem e um rapaz carregando areia com a pá carregadeira instalada e usando uma serra conectada na tomada de energia do próprio trator, no meio de uma floresta. Em geral, o apelo “Totalmente Elétrico” e o texto que acompanha a publicação destaca que o trator oferece a mesma performance do diesel (na mesma categoria) com 4 horas de trabalho por carga e tem funções autônomas fáceis de usar, silencioso, zero emissões e proporciona versatilidade.

 

farmall electric

 

no site, a Case IH ainda é econômica nas informações sobre o trator e não há preço estimado.

Chamam a atenção as capacidades quase autônomas do trator, como a possibilidade de seguir o dono após a abertura da porteira (você desce do trator, abre a porteira, ele entra sozinho na propriedade). Outra característica importante é a inteligência das câmeras instaladas no teto da cabine. Elas detectam pessoas e animais, travando a máquina e o PTO em caso de perigo. Muito parecido com o sistema disponíveis em camionetes e SUVs do mercado, existe também a visão em 360 que elimina até a pá carregadeira da imagem.

No operacional, o trator possui quase tudo, o hidráulico está lá, o PTO  e demais características do “trator convencional”, incluindo o câmbio. É simplesmente (se é que podemos falar assim) um motor elétrico onde estava o de combustão.

Mais detalhes

É possível pescar nas mídias especializadas informações de representantes que visitaram o estande da Case IH na Farm Progress Show e conferiram de perto o trator. De acordo com o site Future Farming, o motor usado no trator é da fabricante americana Parker. O canal do Youtube Tractor Time With Tim descobriu que a máquina em exibição não é nova, tem desgaste nos pneus e deve ter passado por muitos testes até ser levado para a feira.  Ainda segundo o Tim, o Farmall Electric pode ser carregado em em cerca de 5 horas com uma estação de carregamento de 80 amperes (uma versão já comum no mercado de acessórios para veículos elétricos), mas existe um carregador para ser ligado exclusivamente em redes trifásicas com capacidade para 120 kW que pode carregar a bateria em apenas uma hora. Neste vídeo em especial também é mostrado o trator elétrico da New Holland que é bem similar, nascidos da mesma plataforma. Assista, o pessoal da New Holland ligou o trator para demonstrar o ruído (ou a falta dele).

Sobre baterias e carregadores

Vamos tomar como exemplo a bateria de um equipamento que faz parte da nossa vida diária, o celular.

A bateria do celular Samsung S23+ tem uma capacidade de 4700 mAh, ou 4,7 Ah (ela é de 3,88 volts). Essa medição (Ampere hora) significa dizer que a bateria do Samsung “aguenta” alimentar uma carga de 4,7 amperes por uma hora, até descarregar totalmente. Como o telefone consome bem menos, a bateria dura por várias horas ou até mais de um dia. Colocado no carregador por algumas horas, o telefone está pronto para outra. Cada recarga é um ciclo e a vida da bateria vai diminuindo com o tempo, até não “pegar” mais carga.

No mundo dos veículos elétricos, o raciocínio é semelhante, mas em grandezas bem superiores. Na medição da capacidade das baterias que alimentam os motores elétricos, usa-se o Watt-hora no lugar do Ampere-hora. Sai a corrente e entra a potência na nomenclatura.

 

carregador veicular 80A

Carregador veicular de 80A genérico, muito similar ao instalado no estande na New Holland na Farm Progress Show. Nos EUA, custa cerca de US$ 2000,00 e no Brasil R$ 10000,00. Se os fabricantes vão fornecer juntamente com o trator? Não sabemos. Importante: não é exclusivo para uso em tratores, o equipamento já é bem popular e instalado em residências, oficinas e shopping centers. Diversas marcas atuam no mercado.

 

Um dos carros elétricos mais famosos do mundo, o Tesla Modelo Y, usa uma bateria de 60 kW/h de 340 volts que alimenta um motor de 336 kW. Um carregador comercial de carros com a capacidade de 22 kW completa a carga da bateria do Tesla Modelo Y em cerca de 8 horas. Em média, o gasto total de energia para uma carga é de 91 kWh.

No caso do Farmall 75C Electric, uma bateria de 95 kWh alimenta o motor de 55 kW. São 5 horas de carga para 4 horas de trabalho contínuo (leve, sem implementos pesados). Estamos falando aqui de uma larga variação nas possibilidades de trabalho e consumo, mas dado o exemplo no vídeo do Tim, um carregador de 80 amperes e cerca de 20 kW precisa de 5 horas para completar a carga no Farmall ou no T4. São cerca de R$ 100,00 em energia elétrica no Rio Grande do Sul (setembro de 2023). Com R$ 100,00, compra-se 16 litros de diesel no mesmo estado.

O fabricante dá uma garantia de 3 anos ou 8000 horas para a bateria, que custa hoje nos EUA cerca de US$ 9500,00 (com importação e impostos, custaria hoje perto de R$ 90 mil no Brasil). A tendência é de baixa no preço, pela demanda e o uso de novas tecnologias. Se você quiser adicionar este custo do “risco bateria” para comprar uma nova após 3 anos, considere uma poupança mensal de R$ 2300,00 com os juros de hoje.

No mundo dos carros elétricos, existe um estudo citado pela Bussiness Insider que aponta as taxas de troca de baterias nos veículos. Entre 0,29% e 4,92% dos proprietários dos veículos da marcas Tesla, Audi, Chevy, Jaguar e Nissan trocaram a bateria por algum defeito. Só em 2022, a Tesla vendeu 759 mil unidades do modelo Y.

 

Mas e aquela carga em uma hora?

 

 

O carregador “de uma hora” até existe, mas não é para pequenos usuários. As estações de carga de alta potência geralmente são encontradas em locais públicos e apresentam um design similar a uma bomba de posto de gasolina. O preço? Os modelos com capacidade de 120 kW são vendidos por R$ 100 mil. Em algumas situações, nem o dinheiro é suficiente, já que nem toda propriedade rural tem oferta de energia na capacidade desejada. Em um mundo onde em alguns momentos é complicado ter energia de qualidade para manter uma ordenha, imagina uma estação de carga.

Nós conversamos com o pessoal da empresa brasileira RSUL Energia, lá de Blumenau (SC) e eles fornecem carregadores com diversas capacidades, incluindo uma estação na faixa dos R$ 90 mil.

O trator elétrico vale a pena?

Como pontos positivos e inegáveis, o trator elétrico é superior em conforto auditivo e não emite gases. Só estes dois fatores já permitem que o equipamento trabalhe em áreas específicas em ambientes fechados, por exemplo. Para quem produz a própria energia via solar ou gás, o elétrico também torna-se uma alternativa interessante, especialmente com as novas tecnologias de estações DC-DC, capazes de carregar o trator diretamente dos painéis solares. No custo de operação, de forma isolada e sem contar o “risco bateria”, uma carga para trabalhar 4 horas equivale a compra de 16 litros de diesel no caso do Farmall 75C Electric.

Contra o trator, a autonomia é uma limitação importante. O limite de 4 horas de trabalho após uma carga é proibitivo para a maioria dos cenários agrícolas, onde o produtor precisa planejar o deslocamento, o trabalho e a volta para a casa. No elétrico, você não pode passar um rádio para alguém levar um tambor de diesel em uma emergência. Sobre a potência, é ponto pacífico que os motores elétricos entregam o mesmo que o equivalente em combustão. Em segundo lugar, a confiança na durabilidade da bateria é algo ainda desafiador e só o uso sem maiores problemas por um grande número de agricultores nos próximos três ou quatro anos poderá melhorar esta situação.

O ano de 2024 promete ser o início de fato para os tratores elétricos, depois de um longo período de protótipos e testes. Enquanto boa parte do agro mundial pode escolher, para produtores de alguns países europeus a adoção é quase obrigatória para continuar na atividade, vide as políticas climáticas extremamente pesadas que estão entrando em vigor.

Enfim, no ambiente certo, o trator elétrico vale a pena e parece ter uso imediato já em propriedades leiteiras e na fruticultura. Para a lida na lavoura pesada, ainda é cedo. E nunca esqueça que a compra de qualquer máquina na propriedade deve ser acompanhada de muito estudo de viabilidade e custo-benefício.

 

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