Como a Allis-Chalmers ajudou a criar a bomba de Oppenheimer?

Oppenheimer

A incrível história que envolve a criação da bomba atômica de Oppenheimer, a tradicional fabricante de tratores e um empréstimo bilionário de prata

A construção da bomba atômica por parte dos americanos foi mostrada com primazia em Oppenheimer, o grandioso filme de Cristopher Nolan. Um capítulo pouco conhecido do Projeto Manhattan tem a participação da Allis-Chalmers, empresa fundada em West Allis, Wisconsin (EUA) em 1901 que se destacou no ramo agrícola, mas com divisões que atuavam em outros tipos de maquinários, sistemas de energia, equipamentos para mineração e indústria pesada.

Enriquecimento de urânio

O urânio é um dos elementos usados na construção das bombas atômicas e o metal precisa passar por um processo de enriquecimento para que seja extraído o urânio 235, isótopo que faz parte de 0,71% da composição. Posteriormente, este urânio enriquecido é transformado em plutônio em um reator.

Nos anos 40, o uso de centrífugas ainda era muito rudimentar e perigoso para a escala necessária ao projeto, então o processo escolhido foi o de espectroscopia de massa eletromagnética, onde um grande acelerador de partículas (uma máquina com várias bobinas gigantes montadas em paralelo) realiza a purificação. Aqui começa o problema.

Pausa: o assunto “bomba atômica”, “urânio” e “plutônio” é bem vasto e estamos simplificando muito o processo por aqui para contar a história. No final do artigo, deixaremos alguns links para quem deseja se aprofundar no assunto e fazer bonito no próximo churrasco. Seguimos…

 

Allis-Chalmers 1941

Trator Allis Chalmers C 2WD ano 1941. Foto: BigIron.

 

O esforço na segunda Guerra Mundial

É sabido que diversas empresas americanas interromperam as atividades no todo ou em parte para atuar no esforço de guerra, quando usaram suas estruturas para fabricar equipamentos militares. Só na indústria automobilística, a dedicação foi extrema. Foram fabricados 3 milhões de veículos no ano de 1941 contra apenas 139 durante a guerra. A Allis-Chalmers fabricou motores, armamentos, carros de combate e transporte, controles elétricos para navios e outros equipamentos para as forças armadas, mas sua experiência em sistemas elétricos foi “convocada” para algo muito maior: fabricar bobinas para os aceleradores de partículas que enriqueceriam o urânio das bombas atômicas do Projeto Manhattan.

Como fazer bobinas sem cobre?

Tudo era muito racionado nos Estados Unidos durante o período de guerra, da comida até aço (relembre aqui nosso post sobre a Brigada da Colheita da Massey Harris) e com o cobre não poderia ser diferente. O metal era usado principalmente na fabricação de cápsulas em diversos tipos de munições. O Departamento de Guerra achou uma solução brilhante para o problema: viabilizar o empréstimo de 6 mil toneladas de prata do Tesouro Americano para a Allis-Chalmers construir as bobinas e barramentos dos aceleradores. As bobinas tinham cerca de 3 metros de altura e trabalhavam com uma corrente de 30000 amperes. O equipamento final montado era conhecido como Calutron, separando magneticamente o urânio-235 do urânio-238.

A prata “emprestada” saía dos cofres do Tesouro em barras e era escoltada até uma fundição no estado de Nova Jersey, distante 112 km. Lá, era derretida e transformada em cilindros de 180 kg. Até janeiro de 1944, a fundição fabricou mais de 75 mil cilindros. Durante todo o período, o serviço foi acompanhado 24 horas por guardas armados e no término do contrato o local foi totalmente limpo, as “sucatas”de prata foram recuperadas e até o pó das roupas dos trabalhadores foi aspirado para devolver toneladas do metal para o tesouro.

Os cilindros de prata eram transportados para outra empresa onde eram laminados em perfis de 3 polegadas de largura e 15 metros cada um. O material então era enviado de trem até as instalações da Allis-Chalmers em Wisconsin (de novo, muitos guardas armados acompanhando o tesouro).

 

Allis-Chalmers

 

 

Como a Allis-Chalmers ajudou a criar a bomba de Oppenheimer?

 

Entre fevereiro de 1943 e agosto de 1944, a Allis-Chalmers fabricou 940 solenóides (cada um com 14 toneladas de prata) além de dar manutenção e fazer alterações em diversas unidades que apresentaram problemas durante as modificações do projeto. Tudo foi criado para a operação e foram realizadas muitas correções até que o aparato conseguisse produzir uma quantidade significativa de Urânio-235 diariamente. Os solenóides gigantes foram enviados para o local onde era realizado o enriquecimento, a cidade de Oak Ridge, no Tennessee, distante 1500 km. Desta vez de caminhão e sem escolta, já que ninguém roubaria a prata pesada selada em chapas de aço lacradas.

Curiosidade: no pico da produção, este aparato gigantesco e bilionário fabricava perto de 200 gramas de urânio-235 por dia. 

 

 

A devolução da prata

Bobina de Prata

Acima: as bobinas de prata fabricadas pela Allis-Chalmers, separadas para devolução ao Tesouro. Foto: ScienceDirect.

 

Aos poucos, as bobinas foram sendo desativadas ou trocadas por versões com cobre, e a prata fez o caminho inverso até voltar completamente para os cofres do tesouro em 1970. Estima-se que menos de 400 kg das 14700 toneladas emprestadas (sim, eles pagaram muito mais durante o projeto) foram perdidos no processo.

Muita coisa sobre o Projeto Manhattan é segredo até os dias de hoje. Não encontramos fonte segura sobre o valor do contrado entre a Allis-Chalmers e o governo americano para a fabricação das bobinas, mas para a maioria das empresas os valores eram na casa dos bilhões de dólares (em dinheiro dos anos 40).

 

Allis-Chalmers 4W-305, via TractorData.

 

Saiba mais

Forgotten Industrial Giant: The Allis-Chalmers Story

Bomba Atômica (Brasil Escola)

https://www.americanscientist.org/article/from-treasury-vault-to-the-manhattan-project

https://pt.wikipedia.org/wiki/Ernest_Lawrence

https://www.numismatistsofwisconsin.com/now-WestAllisWartimeSilver.html

https://en.wikipedia.org/wiki/Manhattan_Project 

https://www.osti.gov/opennet/manhattan-project-history/index.htm

https://www.cbs58.com/news/extremely-top-secret-how-allis-chalmers-played-a-significant-role-in-the-manhattan-project-helping-build-the-atomic-bomb

3 Fascinating Stories from the Manhattan Project

 

 

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